24.5.09
O CASO DAS MÁSCARAS DE CHUMBO - 1966
No dia 17 de agosto de 1966, os técnicos em eletrônica Miguel José Viana, 34 anos, e Manuel Pereira da Cruz, 32 anos, desembarcaram na Rodoviária de Niterói (RJ) no início da tarde. Moradores de Campos, no mesmo estado, os dois - especialistas em instalação de transmissores e repetidores de sinal de televisão - haviam dito à familiares que estavam viajando para São Paulo a fim de comprar um carro e equipamentos eletrônicos. Miguel e Manuel saíram de Campos levando a quantia de dois milhões e trezentos mil cruzeiros (cerca de mil dólares) e fizeram o seguinte percurso: visitaram o dono da loja de eletrônicos Fluscop; compraram as capas de chuva e depois entraram em um bar, nas proximidades do Morro do Vintém, para comprar uma garrafa de água. Miguel e Manoel foram encontrados mortos no alto do morro no dia 18 de agosto. Sem marcas de tiros ou facadas, os dois traziam nas mãos estranhas máscaras de chumbo e o seguinte bilhete cifrado: "16,30hs está no local determinado 18,30hs ingerir cápsula, após efeito proteger metais aguardar sinal máscara". Foi o início de um mistério que persiste até hoje. Os corpos foram resgatados no dia 21 de agosto pelos bombeiros e levados para exame de necrópsia e toxicológico no Instituto Médico Legal de Niterói. O laudo saiu quase dois meses depois indicando causa indeterminada para as mortes. A polícia descobriu então que a dona de casa Gracinda Barbosa Coutinho de Souza dirigia seu carro no alto da Avenida Vinte e dois de novembro, em Niterói, no mesmo dia em que os técnicos subiram o Morro do Vintém, e viu um estranho objeto, com luzes azul e laranja, no local. Em Campos, a polícia descobriu que Miguel e Manuel haviam feito diversas experiências espirituais na cidade e estavam lendo livros sobre contatos extraterrestres. O caso ocupou então as manchetes dos jornais e revistas do país. A imprensa divulgou que os dois teriam sido mortos durante contato com extraterrestres e a morte dos técnicos ganhou o interesse dos estudiosos de Ufologia de outros países, como o francês Jacques Vallè. Um detalhe serviu para aumentar o suspense: a maior parte do dinheiro das vítimas desapareceu. Várias hipóteses foram levantadas, desde suicídio involuntário, roubo seguido de assassinato até morte por contato com extraterrestres. Mas a polícia nunca esclareceu o caso, que foi arquivado após três anos e ficou conhecido como "O Mistério das Máscaras de Chumbo". Hoje, 38 anos depois, autoridades revelam que, na verdade, o exame toxicológico nunca foi feito porque as vísceras apodreceram no IML de Niterói. As famílias das vítimas nunca conseguiram saber o motivo das mortes e apontam falhas na investigação do caso. Até hoje várias perguntas ficaram sem respostas: o que Manuel e Miguel foram fazer no Morro do Vintém? Que tipo de cápsula teriam ingerido? Onde foi parar o dinheiro que levavam? O que teria sido o objeto luminoso visto pela dona de casa sobrevoando o local? O que teria causado a morte dos técnicos em eletrônica?
Num lindo dia ensolarado, no final de abril de 1980, eu ( J.Vallée ) subi
um morro ingreme do outro lado da baía da Guanabara, no
Rio de Janeiro, para localizar o ponto onde aconteceu o episódio de OVNI
mais dramático do Brasil. Trata-se de um caso no qual
dois homens foram encontrados mortos em circunstancias que a policia nunca
teve condições de explicar . Acreditava-se que
morreram enquanto esperavam um sinal do céu, possivelmente a comunicação
com um OVNI.
Se tal evento pudesse ser confirmado, chegaríamos mais perto de uma prova
da existencia dos OVNIs. Ao mesmo tempo, contudo
muitas de nossas idéias sobre o fenomeno precisariam ser drasticamente
revistas. Não teríamos mais os visitantes gentis, os
exploradores cientificos, os alienigenas malignos que enchem as páginas
dos livros sobre OVNIs. Nào se poderia mais falar,
tampouco, em presenças brilhantes e visões angelicais da "Nova Era" . No
mínimo deveríamos ampliar a abrangencia de nossas
hipóteses. Um quadro mais complexo e perigoso emergiria.
Infelizmente, tudo o que eu sabia sobre o caso chegara a mim em segunda
mão, através da central de boatos sobre OVNIs ou da
imprensa, uma fonte notoriamente desacreditada na América Latina!. A unica
maneira de aprender mais sobre as circunstancias
exatas do evento seria voar para o RIo e subir aquele morro.
Comigo estavam minha mulher Janine e um pequeno grupo de interessados:
Saulo Soares de Souza, um investigador da policia do
Rio, que se especializara no acompanhamento de casos há muito arquivados
ou sem solução; Mário Dias, jornalista; Alberto Dirma,
fotografo da imprensa; um professor de frances local, que fez a gentileza
de servir como interprete ; e o primeiro adulto a ver os
corpos, certo dia, em agosto de 1966, quando um grupo de meninos veio
correndo até sua casa para chama-lo. Ele os
acompanhara até a delegacia de policia no sopé do morro, onde os garotos
descreveram sua horrivel descoberta ao delegado de
plantão, Oscar Nunes.
O morro , localizado em Niterói, municipio vizinho ao Rio, é chamado Morro
do Vintém. ë recoberto por arvores baixas e moitas de
folhas compridas, em forma de lâmina. Conforme subíamos , por entre as
pedras, a sinuosa trilha de morros, a paisagem mudava
--- sumiam as casas, bangalôs e carros das ruas de Niterói, e aparecia uma
série de barracos desordenados, apinhados de
crianças curiosas, uma cena comum em qualquer parte do Brasil. Em um ponto
um pouco mais alto, entretanto , o morro era
desabitado , com trechos queimados de terra vermelha e áreas cobertas de
vegetação rasteira, ponto de encontro de
contrabandistas e amantes, onde meninos caçavam passáros, e negócios
escusos se realizavam.
A policia, fomos informados , era cautelosa naquela área. Convém salientar
que na noite da descoberta dos corpos o delegado
Nunes decidira adiar a procura até o nascer do sol. Se avista era
desconcertante e confusa a meia altura, o cenário no topo era
inteiramente diferente. Avistava-se quilometros de terra e oceano,
formando uma das paisagens mais famosas da Terra: Niterói, Rio,
Pão de Açucar e toda a baia da Guanabara. Frequentemente encoberto por
nuvens baixas e chuva, ou obscurecido pela poluição
industrial que paira cada vez mais sobre a cidade, o Morro do Vintém
estava totalmente à vista no dia em que o escalamos.
Rodeado por pequenas arvores, responsáveis por uma sombra protetora, o
local parecia mais adequado para cartão-postal do que
para cena de assassinato.
Finalmente paramos num lugar onde o solo era quase limpo, com trechos de
terra arenosa entre a grama curta. Uma fileira de
arbustos com folhas largas nos protegia da luz direta do sol. O
investigador Soares falou, e o interprete traduziu:
--- Foi aqui que os encontramos.
--- Não entendo como eles esperavam ver o céu daqui, ou como poderia
alguém sugerir que esperavam algum tipo de sinal ---
falei.
Minha questão provocou uma conversa rápida entre o investigador Soares e o
mulato baixo que, havia quatorze anos, levara a polícia
até os corpos.
--- Ele diz que o mato era bem mais baixo naquela época ---
explicou o intérprete --- Dava para ver o céu.
--- Pergunte-lhe como tudo aconteceu.
O primeiro garoto a ver os cadaveres tinha dezoito anos na época, e
procurava sua pipa. Encontrou os corpos vestidos com ternos
limpos e capas de chuva novas, deitados de costas. Nada foi feito naquela
noite em 1966. A policia local considerou mais prudente
deixar qualquer providencia para o dia seguinte. Ao amanhecer os policiais
e bomeiros destacados para o caso escalaram a trilha
íngreme, chegaram ao lugar e descobriram que o menino não havia mentido.
Iniciava-se uma das mais estranhas investigações
registradas nos arquivos policiais brasileiros. Ela passaria por três
fases distintas.
A primeira fase se limitou ao trabalho investigativo rotineiro feito pela
policia. Os investigadores não encontraram sangue nem sinais
de violencia na área. Os dois cadaveres estavam deitados placidamente,
lado a lado. Junto a eles havia mascaras rudimentares de
chumbo e blocos de papel com anotaçoes. Numa das anotações havia fórmulas
elétricas elementares. Também foi encontrado um
pedaço de papel de alumínio azul e branco amassado, um pouco de papel
celofane embebido numa substancia quimica e um lenço
com as iniciais AMS.
A pele dos cadaveres tinha uma coloração rósea e aparentava possiveis
queimaduras, mas a decomposição chegara a um ponto
onde tal conclusão não era segura. De fato, o legista Astor de Melo
concluiu rapidamente que as mortes ocorreram por causas
naturais ( ataque cardiaco) encerrando o caso. O exame das visceras não
indicou sinais de veneno. Os homens morreram entre
terça-feira, 16 de agosto , e sábado, 20 de agosto.
A identidade das vitimas foi rapidamente estabelecida. Eram técnicos em
eletronica, Miguel José Viana, 34 anos, casado , pai de
vários filhos menores, e Manuel Pereira da Cruz, 32 anos , também casado.
Ambos moravam no município de Campos, onde eram
cidadões bem conhecidos e respeitados. Os dois se especializaram na
instalação de transmissores e repetidores locais de sinal
para televisão. Miguel possuia Cr$ 157 mil num saco plástico oculto dentro
da roupa. Manuel possuia apenas Cr$ 4 mil.
A policia teve condições de reconstituir os movimentos dos homens entre a
manhã de quarta- feria, 17 de agosto, e a hora em que
assumiram suas posições no alto do morro. Os dois pegaram o onibus que
saís de Campos às 9 horas da manhã, seguindo para
Niterói. Deixaram um recado , avisando que pretendiam ir a São Paulo,
comprar um carro e equipamento eletronico. Pelo que se
sabia, estavam levando Cr$ 3 milhões ( cerca de US$ 1.000 ).
O Onibus chegou a Niterói às 2 horas da tarde. Chovia Compraram capas de
chuva identicas por Cr$ 9,4 mil. Num bar, na Rua
Marques de Paranaguá, compraram uma garrafa de água mineral e guardaram o
recibo do depósito pago. Por volta das 15h15 eles
partiram a pé até a trilha no Morro do Vintém, onde foram vistos por volta
das 5 horas da tarde. Foi a ultima vez que alguém os viu
com vida.
Insatisfeito com o laudo da causa da morte , o encarregado da segurança no
Estado do Rio, coronel Eduardo de Cento Pfeil ,
convocou uma reunião com o delegado de policia José Venâncio Bettencourt e
um técnico em eletronica. No dia seguinte contatou
Toledo Pizza, diretor do Instituto Médico Legal. O dr. Alberto Farah foi
convocado oara realizar uma segunda autópsia. As viceras
foram retiradas e analisadas, O patologista também procurou por possiveis
marcas de seringa nos corpos, mas a segunda autópsia
não revelou nenhuma novidade.
Baseada nestes fatos, a policia examinou várias hipoteses. Um roubo
poderia ter sido motivo para o crime? Uma grande quantidade
de dinheiro parecia ter desaparecido entre a hora em que Miguel e Manuel
saíram de Campos, com aproximadamente Cr$ 3 milhões
, e o momento em que foram encontrados mortos. Mas esta hipótese não
explicava a forma da morte e a ausencia de luta. Seriam
espiões? O Morro do Vintém é um ponto estratégico de onde poderiam
observar toda a região. Em um raciocinio mais plausível ,
serviria também de local idela para uma repetidora de sinais de televisão
, o tipo de instalação eletronica na qual os dois homens
se especializaram. A ausencia de qualquer violência, contudo parecia
excluir espionagem e outras atividades ilegais.
Seriam contrabandistas? As leis de importação dificultavam o acesso a
produtos eletronicos estrangeirosno Brasil. Mas era dificil
compatibilizar estes cenários com a forma da morte. Se fossem encontrados
com facas enfiadas na barriga, numa área isolada de
Niterói, cidade conhecida por abrigar muitas atividades clandestinas, o
caso teria atraído pouca atenção. Por que um assassino
deixaria tantas pistas misteriosas: as anotações , as máscaras, o lenco?
--- Voce examinou outras hipótese? --- perguntei ao ivestigador
Soares.
--- Pensamos que poderia ser um pacto de suicidio entre homossexuais
--- falou --- O lugar é conhecido como ponto de
encontro de gays da vizinhança. Mas não há evidencia disto, nem na
maneira como viviam nem na forma como morreram. Toda
linha de investigação terminava no mesmo beco sem saida: nenhum sinal de
violencia, nenhum veneno no aparelho digestivo,
nenhuma pista da causa da morte.
Quando estes detalhes se tornoaram publicos no Brasil, a policia foi
inundada por telefonemas de moradores da região de Niterói, e
o caso entrou em sua segunda fase.
Um dos primeiros chamados foi de uma senhora da sociedade, Gracinda
Barbosa Coutinho de Souza. Ela disse ao delegado
Bettencourt que enquanto dirigia pela Alameda São Boaventura, no bairro do
Fonseca , com três de seus filhos , na quarta-feira à
noite , a filha Denise , então com sete anos , disse-lhe para olhar o céu
sobre o Morro do Vintém. Ela viu um objeto oval de cor
alaranjada, com uma linha de fogo nas bordas, "soltando raios em todas as
direções", enquanto pairava sobre o morro. Teve tempo
de parar o carro e observa-lo cuidadosamente, enquanto o objeto subia e
descia verticalmente durante uns três ou quatro minutos,
emitindo um "raio azul" bem definido . Quando voltou para casa contou a
visão ao marido , um membro da Bolsa de Valores do Rio.
Ele seguiu de carro até o local , nada vendo de incomum.
Esta experiencia logo foi confirmada por um grande número de testemunhas
diferentes, relatando a presença de um objeto oval
alaranjado, soltando raios azuis sobre o Morro do Vintén , acrescentando
que não revelaram nada na época por medo do ridículo
ligado ao caso de OVNIs. Todos os depoimentos situaram o objeto nas
proximidades das vítimas, por volta da hora estimada da
morte. Assim, os investigadores foram forçados a voltar a atenção para
alguns detalhes da cena que pareciam irrelevantes no ínicio.
Havia , por exemplo, a questão das máscaras de chumbo. Visavam proteger os
olhos das vítimas de alguma espécie de radiação ?
A policia encontrou máscaras similares na casa de Miguel José Viana, na
oficina, juntamente com restos de chumbo que foi usado.
Também foi encontrado um livro sobre "espiritismo científico", com trechos
sublinhados nas referencias a espíritos, intensa
luminosidade e máscaras. A irmã de Miguel foi interrogada. Ela revelou que
ele mencionara uma "missão secreta".
A viúva de Manuel Pereira da Cruz também foi interrogada. Seu testemunho
indicava que as duas vítimas eram membros de um
grupo "espírita" , uma sociedade secreta com objetivos desconhecidos.
Corria o boato de que se tentava a comunicação com outros
planetas. Um piloto civil chamado ëlcio Correa da Silva também era membro
do grupo.
Ëlcio revelou aos investigadores que de fato havia feito algumas
"experiencias"juntamente com as vítimas, uma no jardim da casa
de Manuel, em Campos, e outra na pria, em Atafona. Na última, Élcio e um
outro homem, chamado Valdir , haviam testemunhado
uma tremenda explosão. Isto ocorreu no dia 13 de junho de 1966, dois meses
antes da tragédia em Niterói. Houve uma explosão,
um objeto luminoso no céu, um flash cegante. Pescadores locais disseram
ter visto um disco voador cair no mar. A explosão foi tão
forte que chegou a ser ouvida em Campos. Mas a especulação foi descartada
quando as familias das vítimas testemunharam no
inquiérito: o equipamento usado em Atafona e Campos era constituido apenas
por bombas caseiras , disseram, fabricadas com
canos e arames.
A policia começou a investigar mais a fundo a vida anterior das vitimas:
eles compareceram a cursos em São Paulo, organizados
pela Philips Eletronica e outras empresas; compraram equipamentos
sofisticados , apesar de não possuírem conhecimentos para
realizar experimentos cientificos. Segundos os depoimentos, as vítimas
mantinham uma estação de rádio ilegal no Glicério ,
municipio de Macaé. E, novamente, as testemunhas falaram de seus
interesses no paranormal . Poucos dias antes de morrer,
Miguel parece ter dito que iria comparecer a um "teste final", e depois
diria se era ou não um "crente".
A viúva de Manuel declarou que testemunhara uma discussão entre ëlcio e
seu marido. Pressionada para resolver logo o caso, a
polícia achou conveniente prender ëlcio em 27 de agosto. Mas logo ficou
provado que ele não saíra de Campos no dia da tragédia ,
e os policiais foram obrigados a libert-lo.
Outro elemento curioso no caso foi uma das anotações encontradas junto aos
cadaveres. Lia-se:
Encontrem-se no ponto designado às quatro e mei da tarde. Às seis e meia
ingerir as cápsulas. Após fazer efeito, protejam metade
do rosto com as máscaras de chumbo. Esperem pelo sinal combinado.
Estariam os dois homens esperando ser contatados por um OVNI? Ou, , em uma
explicação mais simples, estariam apenas
participando de uma experiencia espirita que deu errado?
No va complicação surgiu. Um guarda-civil, chamado Raulino de Mattos,
declarou que acreditava ter visto quando as vítimas saíram
de um jipe no sopé do morro com duas outras pessoas que não forma
identificadas com precisão. Mas o caso empacou de novo.
Em 23 de agosto, a policia ordenou a exumação dos corpos e nova bateria de
testes. Uma atitude tão incomum foi mencionada em
vários jornais internacionais, mas as novas análises não produziram
nenhuma pista importante.
Dois anos se passaram antes que o caso fosse novamente mencionado: a
imprensa brasileira anunciou que a policia procurava um
homem loiro com aparencia de estrangeiro. Ele fora visto por uma
testemunha, sentado ao volante de um jipe enquanto conversava
com Miguel e Manuel perto do Morro do Vintém. Também foi revelado que
peritos em radioquímica , do Instituto de Energia
Atomica, em São Paulo, realizaram uma análise por ativação de neutrons nos
cabelos das vítimas. Os quatro elementos medidos
--- arsenio, mercúrio, bário e tálio --- tinham os niveis normais.
Com isso, o funcionário encarregado de homicidios, Romen José Vierira,
encerrou as investigações e encaminhou o dossiê ao
Ministério da Justiça. A segunda fase do caso da máscara de chumbo ( a
fase de "analise em profundidade") se encerrava. Ela
fracassara, sem conseguir explicar os fatos, assim como a fase de
investigação policial convencional.
A terceira fase, era de se esperar, caracterizou-se por especulações
fantásticas, absurdos e avaliações extremadas nascidas das
frustrações de todos com as inexplicáveis mortes de Miguel e Manuel. Um
grupo de espíritas brasileiros dizia ter feito contato com
jupeterianos através de canais psíquicos. De acordo com esta mensagens, a
morte das vítimas foi um acidente ocorrio quando "eles
correram na direção do disco que deveria pega-los, antes de receber ordens
para fazer isso". O canal também revelou que os
jupiterianos eram fêmeas, mais altas trinta centimetros do que a média dos
humanos, com bocas na vertical e quatro dedos nas
mãos. Ninguém levou a sério as declarações , uma vez que não havia
evidência de que os dois homens morreram enquanto
corriam.
Já a confissão de um homem chamado Hamilton Bezani foi mais interessante.
Ele estava preso por contrabando e roubo de carro.
Descreveu em detalhes, para a policia , sua participação no assassino de
Miguel e Manuel, alegando que havia sido contratado para
mata-los. Ele e outros três bandidos roubaram o dinheiro das vitimas,
levaram-nas ao topo do morro e as forçaram a ingerir veneno,
com o uso de armas. A policia disse que estava prestes a fazer novas
prisões no caso. Mas estas prisões nunca foram efetuadas,
e o público foi deixado com o relato duvidoso de um prisioneiro que
cumpria longa pena de prisão.
Nem a confissão de Bezani nem as revelações do canal com Júpiter haviam
explicado os detalhes específicos do assassinato. Uma
longa discussão que tivemos na casa do professor Mario Lago, médico
chamado pelo tribunal como perito em parapsicologia,
elucidou alguns aspectos espiritualistas. De acordo com o professor Lago,
as vítimas estavam comprometidas em uma série de
sessões, durante as quais uma entidade paranormal deveria se manifestar.
Após o experimento em Campos, e outra vez, depois da
explosão na praia de Atafona, Manuel encontrara pólvora no local. Ele
talvez suspeitasse que outros, inclusive Élcio, tramaram uma
mistificação para convence-lo da existencia da "entidade". Eles desejavam,
observou o investigador Saulo Soares, fazer ainda uma
terceira tentativa para contatar a entidade em questão: deveria existir
alguém , de nivel superior, que se mantinha nos bastidores,
em quem confiavam --- possivelmente a pessoa que deu as ordens escritas
nas anotações.
Conforme repassávamos estes detalhes, na cena da tragédia, notei que
nenhuma vegetação crescia no ponto os corpos foram
encontrados. Perguntei se sabiam qual era o local preciso. A testemunha
mostrou a estaca que permitia identificar o ponto exato.
Retornamos à suposição de Saulo: os dois homens tinham um "mentor
intelectual" que manipulava a situação, hipótese amparada
pelos termos usados nas anotações.
--- A expressão "ingerir as cápsulas" não pertencia ao vocabulário das
vítimas --- concluiu o investigador. --- Da mesma forma
que "surtir efeito" também era muito complicado para eles . A anotação
está redigida com uma receita ditada por uma outra
pessoa.
--- E o que acha da hipótese de roubo? --- perguntei
--- Como saber que estavam com dinheiro, para começar? Eles realmente
não tencionavam comprar um carro nem componentes
eletronicos --- disse o investigador encolhendo os ombros.
--- Voce acha aquela história um despiste? --- perguntei
--- Falei com um primo de Miguel, que tentara desencoraja-lo da viagem,
porque não daria lucro algum. Mas Miguel respondeu:
"Comprar um carro não é o motivo real desta viagem. Quando voltar, lhe
direi se sou ou não crente em espiritismo".
--- Sobre o que era o livro encontrado em Campos?
--- Era um livro genérico sobre espiritismo, escrito por Bezerra de
Menezes.
Janine indagou sobre a oficina usada pela vítimas em Campos.
--- Era uma sala pequena --- respondeu o policial ---, de três
metros por quatro, onde Miguel consertava os televisores.
Encontramos prateleiras com material especializado, mas nada suspeito.
--- E quanto às máscaras de chumbo? --- ela perguntou.
--- Foram feitas a marteladas , tiradas de uma placa de chumbo.
Caseiras com certeza, e muito grosseiras.
Voltei à chamada confissão de Bezani. O investigador riu:
--- Ele era um ladrão especializado em pedras preciosas e máquinas de
escrever. Seu apelido era Papinho de Anjo, o que
significa na gíria "bom de conversa". Ele já conseguira fugir duas vezes
da cadeia. Foi novamente preso e mandado para o presídio
na Rua do Hipódromo, em São Paulo, uma penitenciária de segurança máxima.
Forjou toda a história na esperança de ser
transferido para a cadeia de Niterói. Todos sabem que é facil escapar de
Niterói! Mas cometeu um erro quando confessou os
assassinatos: colocou os corpos no morro errado! Assim foi mantido no
Hipódromo e sabe o que aconteceu? Ele arrumou um jeito
de fugir de lá!
Orientado pelos marcos na paisagem que se observava, desenhei um mapa da
cena. Conforme posicionava o desenho no rascunho, notei linhas de alta
tensão e uma enorme torre de transmissão.
--- Isto é uma antena para facilitar as comunicações da policia ---
fui informado. --- Não estava aqui em 1966.
--- Vamos repassar o que foi encontrado no local, as circunstancias
exatas do evento.
O primeiro homem a avistar os corpos respondeu calmamente às perguntas.
Sua história diferia um pouco do que estava publicado
nos jornais:
--- Uns meninos encontraram os corpos enquanto procuravam suas pipas.
Desceram até minha casa e me contaram o fato.
Mandei que fossem procurar a policia.
--- Os corpos estavam diretamente sobre o chão? --- perguntei.
--- Estavam aqui sobre uma cama de folhas.
--- E quanto ao cheiro?
--- Não, eles não tinham cheiro --- insistiu. --- E os corpos não
foram atacados por bichos.
Apontei para o céu, onde enormes pássaros negros assustadores voavam em
círculos.
--- E quanto a eles?
--- Eles não atacam os cadáveres.
--- E quanto à noticia do jornal, de que meninos tinham sido atraídos
pelo mau cheiro?
--- Não havia cheiro quando cheguei lá.
Iniciamos a longa trilha que descia para a Rua Pinto, onde deixáramos
nossos carros . Era uma viagem de volta que Manuel e
Miguel jamais fizeram. Mas Saulo acreditava que os homens pretendiam
descer de novo. Senão, por que guardariam o recibo de
depósito do vasilhame de água mineral? Ele achou muito estranho não
crescer vegetação alguma no local, quatorze anos depois do
incidente. E não havia explicação para o disco voador avistado.
Hoje meus arquivos com dados sobre OVNI cresceram, a um ponto que mal dá
para lidar com eles, lotando quatorze gavetas de um
arquivo. Estão organizados por países, e o arquivo do Brasil contém uma
série de documentos, que me foram entregues por um
médico, o Dr. Olavo Fontes, pouco antes da sua morte por câncer. Ele era
um pesquisador altamente qualificado, doutor em
medicina.
Quando o dr. Fontes visitou Chicago, em 1967, ele tirou a série de
relatórios de casos da mala.
--- Quero que fique com isso --- disse . Já estaria ciente de que
morreria em breve? Entre os documentos que me apresentou
estavam relatórios seus sobre o caso das Máscaras de Chumbo e outra
aparição de um OVNI na região de Niterói.
O evento ocorrera em 16 de agosto de 1966, às 9h15 da noite, dois meses
antes da tragédia . Um objeto luminoso, de forma
elíptica, foi visto a uma altitude de trinta metros. A testemunha, de 54
anos, gerente de uma firma de eletronica, técnico industrial
formado, desenhou um rascunho de uma série de esferas que chamou de
"efervecentes". Ele as observou em companhia da
mulher, da filha e do futuro genro, funcionário do Banco do Brasil. O
objeto sobrevoou o Morro da Boa Viagem, em Niterói.
Evidentemente a observação de um enorme objeto ovalado, por parte da sra.
Souza, não foi o unico incidente naquela região.
Também não é gratuita a relação entre as observações dos objetos e os
efeitos físicos e psicológicos inexplicados --- incluindo
aqueles com trágicas consequencias para as testemunhas. Mesmo assim a
literatura sobre OVNIs é reticente em tais casos,
porque desafiam os céticos quanto os que acreditam na existencia dos
OVNIs.
Chegou a hora de deixar de lado velhas teorias e procurar por novas
provas.
A viúva de Manuel Pereira da Cruz também foi interrogada. Seu testemunho indicava que as duas vítimas eram membros de um grupo "espírita" , uma sociedade secreta com objetivos desconhecidos. Corria o boato de que se tentava a comunicação com outros planetas. Um piloto civil chamado Élcio Correa da Silva também era membro do grupo.
Ëlcio revelou aos investigadores que de fato havia feito algumas "experiencias" juntamente com as vítimas, uma no jardim da casa de Manuel, em Campos, e outra na praia, em Atafona. Na última, Élcio e um outro homem, chamado Valdir , haviam testemunhado uma tremenda explosão. Isto ocorreu no dia 13 de junho de 1966, dois meses antes da tragédia em Niterói. Houve uma explosão, um objeto luminoso no céu, um flash cegante. Pescadores locais disseram ter visto um disco voador cair no mar. A explosão foi tão forte que chegou a ser ouvida em Campos. Mas a especulação foi descartada quando as familias das vítimas testemunharam no inquiérito: o equipamento usado em Atafona e Campos era constituido apenas por bombas caseiras , disseram, fabricadas com canos e arames.
A policia começou a investigar mais a fundo a vida anterior das vitimas: eles compareceram a cursos em São Paulo, organizados pela Philips Eletronica e outras empresas; compraram equipamentos sofisticados , apesar de não possuírem conhecimentos para realizar experimentos cientificos. Segundos os depoimentos, as vítimas mantinham uma estação de rádio ilegal no Glicério , municipio de Macaé. E, novamente, as testemunhas falaram de seus interesses no paranormal . Poucos dias antes de morrer, Miguel parece ter dito que iria comparecer a um "teste final", e depois diria se era ou não um "crente".
A viúva de Manuel declarou que testemunhara uma discussão entre Élcio e seu marido. Pressionada para resolver logo o caso, a polícia achou conveniente prender ëlcio em 27 de agosto. Mas logo ficou provado que ele não saíra de Campos no dia da tragédia , e os policiais foram obrigados a liberta-lo.
Outro elemento curioso no caso foi uma das anotações encontradas junto aos cadaveres. Lia-se:
Encontrem-se no ponto designado às quatro e meia da tarde.
Às seis e meia ingerir as cápsulas.
Após fazer efeito, protejam metade do rosto com as máscaras de chumbo.
Esperem pelo sinal combinado.
Estariam os dois homens esperando ser contatados por um OVNI? Ou, , em uma explicação mais simples, estariam apenas participando de uma experiencia espirita que deu errado?
Nova complicação surgiu. Um guarda-civil, chamado Raulino de Mattos, declarou que acreditava ter visto quando as vítimas saíram de um jipe no sopé do morro com duas outras pessoas que não forma identificadas com precisão. Mas o caso empacou de novo.
Em 23 de agosto, a policia ordenou a exumação dos corpos e nova bateria de testes. Uma atitude tão incomum foi mencionada em vários jornais internacionais, mas as novas análises não produziram nenhuma pista importante.
Dois anos se passaram antes que o caso fosse novamente mencionado: a imprensa brasileira anunciou que a policia procurava um homem loiro com aparencia de estrangeiro. Ele fora visto por uma testemunha, sentado ao volante de um jipe enquanto conversava com Miguel e Manuel perto do Morro do Vintém. Também foi revelado que peritos em radioquímica , do Instituto de Energia Atomica, em São Paulo, realizaram uma análise por ativação de neutrons nos cabelos das vítimas. Os quatro elementos medidos --- arsenio, mercúrio, bário e tálio --- tinham os niveis normais.
Com isso, o funcionário encarregado de homicidios, Romen José Vierira, encerrou as investigações e encaminhou o dossiê ao Ministério da Justiça. A segunda fase do caso da máscara de chumbo ( a fase de "analise em profundidade") se encerrava. Ela fracassara, sem conseguir explicar os fatos, assim como a fase de investigação policial convencional.
A terceira fase, era de se esperar, caracterizou- se por especulações fantásticas, absurdos e avaliações extremadas nascidas das frustrações de todos com as inexplicáveis mortes de Miguel e Manuel. Um grupo de espíritas brasileiros dizia ter feito contato com jupiterianos através de canais psíquicos. De acordo com esta mensagens, a morte das vítimas foi um acidente ocorrido quando "eles correram na direção do disco que deveria pega-los, antes de receber ordens para fazer isso". O canal também revelou que os jupiterianos eram fêmeas, mais altas trinta centimetros do que a média dos humanos, com bocas na vertical e quatro dedos nas mãos. Ninguém levou a sério as declarações , uma vez que não havia evidência de que os dois homens morreram enquanto corriam.
Já a confissão de um homem chamado Hamilton Bezani foi mais interessante. Ele estava preso por contrabando e roubo de carro. Descreveu em detalhes, para a policia , sua participação no assassino de Miguel e Manuel, alegando que havia sido contratado para mata-los. Ele e outros três bandidos roubaram o dinheiro das vitimas, levaram-nas ao topo do morro e as forçaram a ingerir veneno, com o uso de armas. A policia disse que estava prestes a fazer novas prisões no caso. Mas estas prisões nunca foram efetuadas, e o público foi deixado com o relato duvidoso de um prisioneiro que cumpria longa pena de prisão.
Nem a confissão de Bezani nem as revelações do canal com Júpiter haviam explicado os detalhes específicos do assassinato. Uma longa discussão que tivemos na casa do professor Mario Lago, médico chamado pelo tribunal como perito em parapsicologia, elucidou alguns aspectos espiritualistas. De acordo com o professor Lago, as vítimas estavam comprometidas em uma série de sessões, durante as quais uma entidade paranormal deveria se manifestar. Após o experimento em Campos, e outra vez, depois da explosão na praia de Atafona, Manuel encontrara pólvora no local. Ele talvez suspeitasse que outros, inclusive Élcio, tramaram uma mistificação para convence-lo da existencia da "entidade". Eles desejavam, observou o investigador Saulo Soares, fazer ainda uma terceira tentativa para contatar a entidade em questão: deveria existir alguém , de nivel superior, que se mantinha nos bastidores, em quem confiavam --- possivelmente a pessoa que deu as ordens escritas nas anotações.
Extraido do livro Confrontos de Jacques Vallée